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Foto do escritorMaria do Mar Vieira

Agressividade




Entro num café. Os donos são mal-educados, falam-me mal e são brutos. Todo o meu corpo é percorrido por uma onda de calor. Esta onda, a ferver, começa pelos pés e sobe até à cabeça, queimando cada célula do meu corpo. Como um vulcão a entrar em erupção.

Não compreendo porque me falam daquela maneira. Não compreendo porque as pessoas não podem falar gentilmente e serem simpáticas. Não compreendo o que fiz de errado. Falarem-me de forma agressiva é um dos gatilhos para ter uma crise.

Quando dou conta estou a gritar, a bater na minha cabeça e a dar pontapés na porta. Perco o controlo sobre mim própria, o meu corpo mexe-se sozinho, mesmo eu dizendo-lhe para parar. O meu namorado abraça-me com força e tenta tirar-me dali para fora. Mas é tarde de mais. O senhor levanta-se da mesa onde estava sentado, só a dizer coisas de que não me lembro. Pega numa faca e atira-ma na minha direção, acertando-me num braço. Ouço um barulho de algo a cair. Olho para trás e vejo a faca no chão. Não a senti a arranhar-me o braço. Apenas o barulho me fez doer a cabeça, como se ela me estivesse a esfaquear o cérebro. Isto faz com que a minha crise aumente. Ver a faca, ouvi-la cair no chão e ouvir os berros de toda a gente à minha volta. O meu corpo continua a mexer-se sozinho, as lágrimas caem-me, sem eu estar a perceber o que está a acontecer naquele momento.

O meu namorado continua a tentar arrastar-me dali para fora, mas o meu corpo só faz força em sentido contrário, querendo ir na direção do senhor para lhe bater. Só quero que tudo pare. Porque o meu corpo não me obedece? Porque não paro simplesmente. Continuo a chorar desenfreadamente, mal conseguindo respirar, perdendo um pouco a força. O meu namorado consegue apanhar essa fraqueza minha, e tira-me dali para fora. Abraça-me com toda a força e ficamos assim durante vários minutos, até eu me acalmar. Depois começamos a andar. Andar ajuda-me a voltar a mim. E começo a sentir-me. A sentir dor no meu corpo. Na minha cabeça e no meu braço. Olho e vejo os arranhões. Sentamo-nos noutro café e bebo algo fresco. Tenho uma sessão fotográfica a seguir. Sinto-me muito cansada e sem forças para nada. Só quero desistir de tudo. Mas vou na mesma. Fui fazer uma sessão fotográfica de 4 horas. Estava exausta, mas dei o melhor de mim. No final da sessão fui recebida de elogios e vénias. De palavras como ‘Nunca fotografei ninguém tão bom como tu’ e isso deu-me forças e motivação para não desistir.

Isto foi apenas mais um dia como outro qualquer. Foi apenas mais um dia de uma vida autista. E depois sou assombrada com imagens. Fico dias sempre a reviver a situação. A ver a faca à minha frente. A sofrer tudo novamente.

Existem certos gatilhos que me fazem ter estas crises. A maneira como me falam, o tom de voz, o não compreender o que está a acontecer. Já os consigo reconhecer depois de tudo ter acontecido. Mas acontece sempre tudo tão rápido. Quando dou conta já destruí tudo à minha volta. E mal me lembro de como tudo aconteceu.

Tenho medo de andar sozinha na rua. Tenho medo de ter crises e não ter ninguém comigo. É perigoso ter uma crise e estar sozinha. Nunca se sabe quem está do outro lado. Nunca se sabe o que vai acontecer. Nunca se sabe se uma faca me vai acertar, ou se me vão bater ou arrancar os cabelos. Tive sorte, e que sempre que foram mais agressivos comigo, tive alguém comigo a proteger-me e a acalmar-me. Mas e se não tiver ninguém? Vou conseguir sobreviver?

Não tenho apenas medo das outras pessoas, mas tenho medo de mim própria também. Fico triste sempre que tenho estas crises mais agressivas. Porque ajo eu desta maneira? Porque não me consigo controlar? Porque sou invadida por estes sentimentos e comportamentos? Porque não consigo simplesmente ignorar a maneira como me falam?


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